“Os homens são feitos mártires não devido à quantidade de seu sofrimento, mas à causa pela qual eles sofrem.” Santo Agostinho
Milhares de cristãos foram mortos ao longo da história da Igreja sob diversas acusações. Em várias ocasiões os cristãos da Igreja Primitiva foram acusados de “traidores”, “criminosos”, “antissociais”, “obstinados”, “inimigos de Roma” e “ateus”. Cipriano de Cartago (210-258) pertencia a uma nobre e dedicou-se à oratória e à advocacia. Após se converter ao cristianismo foi eleito bispo de Cartago. Foi perseguido por se negar a participar das festas pagãs e oferecer sacrifícios aos deuses romanos. Cipriano foi julgado e degolado sob o governo do Imperador Valeriano.
Mas não para por aí, há uma extensa lista de homens e mulheres que foram mortos por não ceder às pressões políticas, religiosas e sociais de sua época. Para muitos, o que essas pessoas estavam dispostas a fazer era uma loucura sem precedentes; segundo o imperador romano Marco Aurélio, “os cristãos eram tolos obstinados”. Mas para os cristãos esse ato ia além de ser crucificado, degolado ou devorado por feras nas arenas; esse era um ato de fé, de autonegação e de afirmação da soberania de Deus sobre suas vidas.
Os mártires da história da Igreja cristã tinham muito claro para si que não importava o quanto sofreriam em seus corpos desde que a causa que defendiam fosse conhecida. A morte em si não era o fator mais importante no martírio deles, mas as razões que os conduziram a isso. O crescimento significativo da Igreja nos seus primeiros séculos se deve, em grande parte, à coragem de seus mártires que, através do seu amor e devoção a Cristo, cativavam e constrangiam as multidões pagãs e seus governantes. O filósofo e teólogo Søren Kierkegaard disse algo interessante a respeito disso.
“...Naturalmente existe uma enorme diferença entre o tirano e o mártir, embora ambos tenham uma coisa em comum: o poder de constrangimento. O tirano, ele mesmo ambicioso por dominar, obriga as pessoas por meio de seu poder; o mártir, ele mesmo incondicionalmente obediente a Deus, incita os outros por meio de seu sofrimento. O tirano morre e seu governo acaba; o mártir morre e seu governo se inicia...”.
Muitos consideram esses crentes em Jesus “malucos” e “insanos”, mas o fato é que a atitude deles é algo consciente e que quebra os paradigmas estabelecidos pelo mundo. O “correto” seria revidarem a agressão física, mas “ser morto em vez de matar confunde o assassino” e coloca em destaque o perseguido e sua causa e não o perseguidor. A despeito das razões apresentadas pelos perseguidores (política, religiosa, econômica, etc.) para perseguir e matar os cristãos, é a inocência e espontaneidade dos perseguidos que os torna a figura principal no martírio.
Certa vez o irmão André disse que “os muçulmanos só se entregarão a Cristo, quando os cristãos estiverem dispostos a dar a vida pelo que acreditam”. Muitos dos cristãos perseguidos no passado e nos dias de hoje dão a vida pelo que acreditam não para serem lembrados como mártires, mas para testemunhar ao mundo com suas vidas o sacrifício maior de Jesus e para que outros se rendam a Ele.
A causa de Cristo continua sendo para nós cristãos maior do que os sofrimentos que qualquer sistema ou indivíduo possa nos impor. “Aguardo ansiosamente e espero que em nada serei envergonhado. Ao contrário, com toda a determinação de sempre, também agora Cristo será engrandecido em meu corpo, quer pela vida, quer pela morte; porque para mim o viver é Cristo e o morrer é lucro”. Filipenses 1. 20-21
Por Marcelo Peixoto, historiador da Portas Abertas Brasil
FONTE: Bonhoeffer, o mártir. Responsabilidade social e compromisso cristão moderno.
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