2 de janeiro de 2012

O Cotidiano de um Fiscal





Eram um pouco mais de dez horas da noite, na Rua Visconde de Inhaúma localizada no Centro do Rio. Estávamos no ponto de ônibus o fiscal da empresa, o catador de lixo e eu. O catador levava em suas costas três sacolas grandes e aparentemente pesadas, de repente o fiscal chama a minha atenção - “Tá vendo aí? Toda a noite é isso. O que para a gente é lixo para essa turma é dinheiro. Eles separam da “lixarada” que o pessoal dos prédios junta tudo aquilo que presta e levam embora.”

Com um ar de inconformidade, ele segue – “Eu digo que tudo o que as pessoas precisam é de uma oportunidade. Será que essas empresas (das quais os catadores separavam o lixo) não vêem que esses caras acabam fazendo um bem para elas?”

Era impressionante ver a percepção que Carlos, o fiscal da empresa de ônibus, tinha sobre os indivíduos com os quais ele interagia constantemente, em seu ponto de trabalho. Nas suas histórias ele conta as atitudes que crê serem pequenas, mas que fazem a diferença – “Outro dia eu me deparei com um outro catador, e eu senti que ele estava bastante nervoso, por causa da maneira com a qual ele foi tratado na frente de um restaurante aqui perto. Ele “tava” até com um papo de querer furar com a faca quem tratou ele mal. Foi aí, que eu sentei com ele e procurei aconselhá-lo. Eu sei que se conselho fosse bom a gente não dava, a gente vendia, mas nessas situações é tudo que eu poderia fazer por ele. No dia seguinte esse mesmo cara me procurou, ele estava com dois chocolates, sendo que um ele deu para mim e disse “aí moço, esse daqui é seu, o senhor me ajudou muito ontem, muito obrigado!”Isso é o tipo de coisa que desconcerta a gente, e que podemos ver o quanto é possível promover o outro.”

O olhar do Senhor Carlos com relação a este público específico, a população em situação de rua, é muito interessante. Primeiro porque ele consegue separar bem os pedintes, do público que compõe a população em situação de rua. Geralmente a tendência é achar que é tudo igual, mendigo, catador, “cracudo”. Mas não, as pessoas que fazem parte deste grupo (em situação de rua), eles tem o seu próprio trabalho, seja catando latinha, papel ou trabalhos artesanais com o objetivo de se sustentar, e em muitos casos as suas famílias dependem do seu trabalho.Diferente dos mendigos ou pedintes, eles não se fixam em um ponto, mas estão sempre em locais diferentes, devido a procura pelo trabalho.

No vai e vem da cidade, estas pessoas tornam-se invisíveis, sem a compreensão da sociedade a respeito do universo no qual eles estão inseridos.

Outra coisa que me chamou a atenção na conversa com o Carlos, é que ele não perdeu o senso de humanidade. Estar todos os dias parado em um ponto de ônibus, fiscalizando, convivendo com uma série de situações que acontecem em uma região central, como a do Rio de Janeiro acaba sendo fácil se acostumar com o que acontece a volta, mas não é o caso do Carlos. Ele não perdeu a capacidade de se indignar com o que é injusto, ou de não se deixar levar pelos rótulos impostos pela sociedade. Em todo tempo durante nossa conversa, um dos seus maiores exercícios, era colocar-se na posição dos catadores. Por causa disso, conseguia enxergar soluções que ajudassem este público.

Acho que a maior coisa que posso levar desse bate papo com o Senhor Carlos, é essa humanidade, reconhecer o outro, principalmente aquele a quem não vemos ou fingimos não ver, como os indivíduos da população em situação de rua. É esse senso de identificação com o meu próximo, que me torna mais humano, na medida em que promovo aquele a quem me coloco ao lado.

Isso não se faz com o entendimento de “mera caridade”, mas pelo entendimento de amar a Deus e o próximo como a si mesmo. A generosidade de Deus para comigo me desafia a viver isso com outras pessoas como eu, e ao olhar para o meu próximo, vejo a imagem e semelhança de quem me criou.

Fonte: Jocumrio.org

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